Por: Prof Dr José Paulo G. Hernandes
Uma situação que angustia os profissionais de RH principalmente em épocas de crise como a que estamos enfrentando é conciliar o discurso e a prática da área, ou seja, contrapor e equilibrar a necessidade de ajustes para afastar ameaças à organização com o humanismo intrínseco dos responsáveis envolvidos na gestão de pessoas.
No exaustivo embate dialético entre termos como excelência operacional, reengenharia (assumida ou não), organização por processos, ajuste de “headcounts” e PDVs versus valorização do capital humano, liderança, “empowerment”, trabalho em equipe, humanização do ambiente de trabalho e engajamento, os maiores danos ocorrem no corpo, mente e alma dos gestores de Recursos Humanos em busca de uma quase impossível síntese.
Nesta clara situação de dissonância cognitiva, afetiva e comportamental, é importante resgatar alguns conceitos integrativos que podem fortalecer a posição da área e dos profissionais no contexto da organização, conceitos estes ilustrados por figuras geométricas.
Um primeiro ponto fundamental é referente ao que consideramos a essência de uma organização. Quais são os elementos que, se não existirem, inviabilizam qualquer empreendimento humano? A resposta é mostrada no triângulo essencial da organização: o que ela gera (com base em seu conhecimento), como ela o faz (com base em estrutura e processos) e quem faz (as pessoas).
Triangulo Essencial da Organização
Desse modo, uma organização não existe sem pessoas.
Fazendo uma analogia com o ser humano, os processos e estrutura são o corpo, o conhecimento é a mente, e as pessoas são a alma de uma empresa. O pleno desenvolvimento do ser humano ocorre com o equilíbrio e aprimoramento de seu corpo, mente e alma. A plena realização de uma organização para atingir todo o seu potencial ocorre com a simbiose entre o que ela faz, como ela faz e quem faz.
A hipertrofia destes elementos essenciais em detrimento de outros gera o desequilíbrio, inadequação e fracasso no longo prazo.
Outro conceito importante quando se aborda o aspecto relacional da organização em seu contexto de atuação é a pirâmide do marketing, principalmente em empresas associadas com serviços. Esta pirâmide com quatro faces mostra as principais inter-relações da dinâmica de negócios: a empresa (e sua marca), seus empregados, seus processos e seus clientes. Todos estes elementos se ligam um a um, e esta ligação, se não for harmônica, impacta esta dinâmica, o relacionamento interno e externo da organização e inviabiliza seu futuro.
A Pirâmide do Marketing de Serviços
Assim, além de ser parte essencial da organização, as pessoas são fundamentais para a construção dos relacionamentos e consequente desenvolvimento de negócios e perenidade da mesma. Equilíbrio na essência e consonância nos relacionamentos são a chave para o sucesso.
Buscar e defender esse equilíbrio e essa consonância é função dos gestores de Recursos Humanos, seja na valorização desse ponto de vista nas decisões estratégicas da organização, seja no confronto construtivo das opções táticas e operacionais.
Cabe também à função de RH fortalecer a alma da organização. E este fortalecimento passa pelo que chamamos de triângulo mágico da gestão de pessoas, apresentado abaixo:
O Triângulo Mágico da Gestão de Pessoas
São três atividades básicas: desenvolver, comprometer e cuidar. Não vamos entrar nos detalhes de cada uma das três atividades, mas elas estão presentes, muitas vezes de modo fragmentado, no discurso da gestão de pessoas, e, como foi citado no início deste artigo, não encontram ressonância com a prática das organizações. Quando abordamos o triângulo mágico da gestão de pessoas, focamos na função fundamental de RH, que é a criação de valor por criar e implantar políticas, processos e estratégias visando soluções para a organização.
Estamos deixando de lado as atividades operacionais e de atendimento em RH, que em algumas estruturas organizacionais foram descentralizadas ou terceirizadas. O primeiro vértice do triângulo é o desenvolvimento de competências, desenvolvimento este que passa por três círculos sobrepostos:
O primeiro círculo – a base de todo desenvolvimento bem sucedido – é o talento.
Talento, em nossa acepção, é o potencial único de cada indivíduo pela composição de suas capacidades cognitivas, afetivas e comportamentais, isto é, seu potencial para pensar, sentir e agir. Existem várias abordagens para avaliar esta caracterização interna de cada um, como o Eneagrama, o teste Myers Briggs, o Gallup Strengths, o PVI/DSG, etc., sendo que o modelo teórico e os indicadores de mensuração adotados devem ser uma decisão da área de RH vinculada com os valores da organização e aspectos técnicos e de capacidade de intervenção. O importante é que a adequação dos talentos à função desenvolvida pelo empregado deve ser a maior possível.
O segundo círculo é o de aprimoramento. Estando a pessoa com os talentos adequados à sua função e perspectiva de carreira, devemos aprimorá-los.
Aprimoramento
Este aprimoramento se dá pela aquisição de conhecimento (educação formal), pela capacitação e prática em atividades específicas e pelo acúmulo de experiências.
O terceiro círculo que fecha o desenvolvimento é a motivação. O departamento de RH deve dar plenas condições para que as pessoas se motivem.
Esta motivação passa pelo empregado ter objetivos e energia e autonomia para atingi-los. Assim temos o que ludicamente podemos chamar de “bolacha recheada” da competência, ou a função de desenvolvimento da gestão de pessoas.
Os círculos do Desenvolvimento da Competência
O importante é que este é um jogo de “ganha/ganha”. Ganha o empregado por seu aperfeiçoamento, crescimento e realização pessoal; ganha a empresa com mais desempenho, qualidade e retorno. O segundo vértice do triângulo é o comprometimento.
O comprometimento do empregado é obtido quando ele está vinculado pela sua atitude com a organização, ou seja, quando ele pensa, sente e age em consonância com os valores e objetivos da organização.
Este comprometimento ocorre quando ele está simultaneamente satisfeito e motivado com o ambiente de trabalho.
O Losango do Comprometimento
Quando falamos em ambiente da empresa, nos referimos a dimensões relativas ao indivíduo e a suas relações com seu grupo de trabalho, chefia e organização como um todo. Por fim, o último vértice do triângulo mágico da gestão de pessoas é representado pelo verbo cuidar.
Quando pensamos no cuidar dos Recursos Humanos, não os tratamos somente como empregados, em seu papel na organização e no ambiente de trabalho, mas os vemos como um todo, como realmente uma pessoa, existindo no mundo e se relacionando com a sociedade e ambiente. E assumimos que a preocupação da empresa com seu empregado deve ser integral. Assim, é função da empresa, através do RH, cuidar do bem-estar de seu empregado e zelar pela sua felicidade.
Da mesma maneira que o bem-estar do empregado é impactado pela sua relação com a empresa e com o que recebe dela, o desempenho da empresa é impactado pelo bem-estar do empregado e por aquilo que ele oferece para ela. Neste ponto, vinculamos a felicidade das pessoas com o sucesso da organização.
Uma integração de todos os elementos tratados neste artigo, ao mesmo tempo que valoriza a área de RH, consegue aproximar o discurso da prática em gestão de pessoas.
Para isto, mais do que intenção, é preciso:
• definir bases conceituais para desenvolver, comprometer e cuidar das pessoas da organização;
• aplicar de modo unificado estes conceitos, através de políticas, processos e estratégias;
• utilizar de modo cíclico as atividades de análise, planejamento, implementação e controle da área de RH:
• definindo indicadores vinculados com estes conceitos;
• implantando planos de ação;
• mensurando estes indicadores no tempo;
• avaliando os resultados.
A geometria, que ilustra os conceitos apresentados, além de equacionar em certa medida as angústias e contradições de nossa área, a fortalece de modo significativo.
Artigo publicado na Revista Gestão RH – edição: maio-julho/2016